As relações entre direito privado e o estado social e os desafios de proteção ao meio ambiente foram os temas centrais debatidos no encerramento do seminário O Poder Judiciário nas relações internacionais, realizado nesta quinta-feira (4) pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em comemoração aos seus 30 anos de instalação.
O painel sobre direito privado e estado social, presidido pelo ministro João Otávio de Noronha, presidente do STJ, contou com a participação, por meio de videoconferência, do secretário-geral da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, Christophe Bernasconi. O secretário classificou o Brasil – um dos 82 membros da organização – como um “ativo, engajado e interessado” participante das discussões sobre direito privado em âmbito global.
Na sequência, o presidente da Corte Suprema de Justiça do Chile, Haroldo Osvaldo Brito Cruz, abordou a evolução do direito do consumidor e as perspectivas atuais da legislação consumerista. Segundo o magistrado chileno, a posição de desvantagem do consumidor começou a ser evidenciada há “quatro ou cinco décadas”, período historicamente muito curto.
Haroldo Cruz disse que os meios tradicionais de resolução de conflitos se esqueceram dos consumidores, ao mesmo tempo em que os processos continuavam longos e caros. Contra esse quadro, ele destacou os esforços do Chile para modificar o seu ordenamento jurídico, a exemplo da Lei de Proteção ao Consumidor, editada em 1997.
O presidente da Corte Suprema de Justiça do Paraguai, Eugenio Jiménez Rolón, destacou que, no estado social de direito, o poder público está tão vinculado às leis quanto os cidadãos; todavia, nesse cenário, o estado deve proporcionar “uma vida minimamente digna” para que os cidadãos exerçam os seus direitos.
Solidariedade
O vice-presidente da Corte Constitucional da Turquia, Zühtü Arslan, afirmou que, no ambiente do estado social, os direitos individuais e os direitos sociais não competem, mas se complementam. “Direitos sociais são complementares, interdependentes e indivisíveis em relação aos direitos civis e políticos”, declarou.
Segundo o presidente da Sala Penal do Tribunal Supremo de Justiça da Bolívia, Olvis Egüez Oliva, o estado social está baseado em mecanismos de solidariedade entre as esferas pública e privada e na proteção dos cidadãos, a exemplo da atuação estatal em áreas como educação, saúde, proteção a pessoas com deficiência e erradicação de desigualdades.
Conciliação e repetitivos
A conclusão do painel coube aos ministros do STJ Paulo de Tarso Sanseverino e Marco Buzzi. De acordo com o ministro Buzzi, o Brasil possui atualmente mais de 115 milhões de processos judiciais em tramitação. Para enfrentar esse quadro de litigiosidade, ele apontou a necessidade de ampliação dos métodos de mediação e conciliação, e lembrou iniciativas como as centrais judiciais de mediação de conflitos, que têm conseguido solucionar até 98% dos casos que lhes são submetidos.
“Hoje em dia, no mundo inteiro, a mediação e a conciliação representam a única solução possível para enfrentar esse enorme volume de processos”, afirmou Marco Buzzi.
Além de ressaltar os caminhos da conciliação, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino apresentou aos magistrados estrangeiros os resultados de uma década da adoção, pelo STJ, do mecanismo de julgamento de recursos repetitivos. Segundo o ministro, que preside a Comissão Gestora de Precedentes do STJ, o julgamento de controvérsias com multiplicidade de casos idênticos representa não só celeridade processual, mas também a efetividade da Justiça e a segurança jurídica.
“A gestão dos repetitivos pelas sucessivas administrações do nosso tribunal constituiu um marco dentro da história de 30 anos do STJ e viabiliza o funcionamento da nossa corte, tendo em vista o número crescente de processos que recebemos a cada ano”, concluiu Sanseverino.
Meio ambiente
O último painel do dia debateu a proteção ao meio ambiente. O presidente da Suprema Corte de Justiça do Uruguai, Eduardo Araquistain, falou sobre a evolução da legislação ambiental uruguaia e o pioneirismo do país, onde a água é declarada um direito humano.
O magistrado do Tribunal Supremo da Espanha Wenceslao Godoy apresentou os aspectos práticos da responsabilidade civil pelo dano ambiental em seu país. Segundo ele, a Espanha exige das empresas garantias prévias pela possibilidade de dano ao meio ambiente. “A legislação que criou a responsabilidade ambiental foi um ganho importante para a Espanha; afinal, a defesa do meio ambiente é direito fundamental dos cidadãos”, frisou.
“Quando o meio ambiente é afetado, os mais pobres são afetados. Um meio ambiente saudável é a melhor base para a prosperidade de uma nação”, afirmou o presidente da Sala Civil Permanente da Corte Suprema do Peru, Francisco Córdova. O juiz apresentou um exemplo prático da intervenção da corte suprema na região de Madre de Dios (fronteira entre Peru e Brasil), onde havia exploração ilegal de minérios e contaminação da água.
O presidente do Superior Tribunal Popular da província de Guizhou, Han Deyang, discorreu sobre a evolução do direito chinês nas questões ambientais. Ele apresentou a experiência de sua província, que tem conseguido aumentar a cobertura florestal.
Cooperação
Representando a Corte de Cassação da França, Nicolas Maziau mencionou a sólida cooperação existente entre o STJ e o tribunal francês na questão ambiental. Ele também ressaltou a importância do seminário realizado no STJ, que, em sua avaliação, pode viabilizar a aproximação da jurisprudência das cortes de vários países.
“A interdependência no mundo globalizado é crescente. As cortes devem buscar cada vez mais uma convergência entre as jurisprudências existentes para criar princípios gerais de responsabilidade em relação a questões ambientais”, observou.
No encerramento do painel, o ministro do STJ Herman Benjamin disse que o número de recursos julgados pelo tribunal que tratam de meio ambiente supera o número total de processos analisados em todas as cortes supremas dos demais países da América Latina.
Encerramento
“Nada mais oportuno atualmente no Brasil do que discutir a questão ambiental. Temos a legislação mais avançada, temos juízes e juristas com muita consciência ambiental. Ainda assim temos acidentes ecológicos terríveis, como os que aconteceram em Mariana e Brumadinho”, afirmou o presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha.
De acordo com Noronha, a Justiça brasileira continuará atuando para proteger o cidadão. “O respeito ao meio ambiente não será uma falácia. O desrespeito à legislação terá consequências sérias”, destacou.
Ao encerrar o seminário, o presidente do STJ agradeceu a presença das 14 delegações estrangeiras e afirmou que “o diálogo foi muito produtivo”, sugerindo a realização de novos encontros para “que a Justiça se torne cada vez mais universal”.
Também compuseram a mesa de encerramento do evento a vice-presidente do STJ, Maria Thereza de Assis Moura, e os ministros Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Sérgio Kukina.
STJ 04/04/2019
Fonte: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Debates-sobre-estado-social-e-prote%C3%A7%C3%A3o-ao-meio-ambiente-encerram-semin%C3%A1rio-internacional
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